A COVID-19 é, primariamente, uma enfermidade respiratória, mas existem crescentes evidências sugerindo que o trato gastrintestinal se acha envolvido, como a replicação de SARS-CoV-2 nos enterócitos humanos, a detecção do vírus em amostras fecais e a composição da microbiota intestinal alterada. Os autores do presente trabalho, da Universidade de Hong Kong, na China, investigaram se o microbioma intestinal está associado à gravidade da doença em pacientes com COVID-19 e se eventuais alterações na composição da microbiota se resolvem com a eliminação do vírus SARS-CoV-2.
Foram obtidas amostras de sangue e fezes e analisados os protocolos de 100 pacientes com infecção confirmada por SARS-CoV-2. Em até 30 dias após a negatividade de SARS-CoV-2 foram coletadas amostras seriadas. As composições do microbioma intestinal puderam ser caracterizadas pelo sequenciamento do DNA total extraído das fezes. Foram analisadas as concentrações plasmáticas de citocinas inflamatórias e marcadores sanguíneos.
Dentre os achados, destaca-se que a composição da microbiota se achava significativamente alterada em pacientes com COVID-19 quando comparada com indivíduos não-COVID-19, independentemente se os pacientes haviam ou não recebido medicação (p<0,01). Diversos comensais com conhecido potencial imunomodulador, como Faecalibacterium prausnitzii, Eubacterium rectale e bifidobacterium, foram pouco representativos em pacientes com COVID-19 e permaneceram com baixos níveis em amostras coletadas até 30 dias após a resolução da enfermidade. Destaca-se que essa composição alterada mostrou estratificação de acordo com a gravidade da doença, com concentrações elevadas de citocinas inflamatórias e marcadores sanguíneos como proteína C-reativa, aspartato do aminotransferase (AST) e gama glutamil transferase (GAMA-GT), ou seja, a composição disbiótica em pacientes com COVID-19 persiste após o desaparecimento do vírus. A disbiose caracterizada acima poderia contribuir para a persistência dos sintomas, destacando-se a necessidade de melhor entendimento de como os microrganismos intestinais acham-se envolvidos na inflamação e na COVID-19.
Teoh YK et al. Gut microbiota composition reflects disease severity and dysfunctional immune responses in patients with COVID-19. GUT 2021;0:1-9. doi:10.1136/gutjnl-2020-323020.
DISBIOSE DA MICROBIOTA INTESTINAL PODE SER CONSIDERADA UM PREDITOR DE SUSCETIBILIDADE AUMENTADA E DE RESULTADOS PIORES EM PACIENTES COM COVID-19? ATUALIZAÇÃO
Os conhecimentos científicos obtidos até o presente sobre o modo como a síndrome respiratória aguda coronavírus 2 (SARS-CoV-2) infecta as células humanas e as manifestações clínicas e as consequências para os pacientes com COVID-19, especialmente nos casos mais graves, colocam a atuação da microbiota intestinal em importante discussão.
Os seguintes achados sugerem que a composição da microbiota intestinal desempenha algum tipo de atividade nessa enfermidade:
a) Relevância da microbiota na resposta de um eficiente sistema imunológico;
b) Observação de que 5% a 10% dos pacientes com COVID-19 apresentam manifestações gastrintestinais;
c) A microbiota é modulada pela enzima conversora da angiotensina 2 (ACE 2) intestinal (a qual é receptora viral).
Além dos pontos considerados acima, é sabido que os pacientes mais gravemente afetados (que permanecem hospitalizados por maior tempo, que demandam unidades de terapia intensiva, ou, eventualmente vêm a falecer) consistem nos mais idosos com doenças metabólicas, cardiovasculares, renais e pulmonares, precisamente o mesmo grupo de pessoas no qual a prevalência de disbiose na microbiota intestinal é elevada.
Os pacientes com COVID-19 que apresentam resultados menos satisfatórios são aqueles nos quais a hiperresponsividade do sistema imune e a condição inflamatória grave (coletivamente chamada de “tormenta de citocina”) são particularmente evidentes e isso tem sido associado a algum fenotípico alterado de microbiota.
As evidências sugerem que modificações nas características da microbiota intestinal e as relações que esta estabelece com o sistema imune (as quais levam a alterações nos níveis de marcadores inflamatórios e no número e na função de diversas células do sistema imunológico) devem ser mais profundamente investigadas. Isso, particularmente quando as características da microbiota são consideradas como preditores potenciais da susceptibilidade individual ao fenótipo mais grave de COVID-19.
Finalizando, convém observar que a eficácia dos probióticos em pacientes com COVID-19 ainda deve ser comprovada e esse aspecto é sujeito à análise e à atenção da comunidade médico-científica.
Ferreira C et al. Is gut microbiota dysbiosis a predictor of increased susceptibility to poor outcome of COVID-19 patients? An update. Microorganisms 2021, 9, 53, https://dx.doi.org/10.3390/microorganisms9010053.
Joaquim Prado P Moraes Filho
Diretor de Comunicação – FBG
Professor Livre Docente – Fac Med USP