Como sabemos, a doença causada por coronavírus (Covid-19) é definida principalmente por sintomas respiratórios, embora, atualmente, seja bastante evidente que o vírus pode também afetar o sistema digestivo.
A detecção de SARS-CoV-2 nas fezes foi um achado marcante que sugeriu que o vírus pode replicar e existir no trato digestivo. De interesse particular, o exame fecal costumeiramente é mais elevado em pacientes com diarreia (73%) do que naqueles com apenas sintomas respiratórios (14%).
Foi também bem caracterizado que a infecção por Covid-19 pode levar a dano hepático. Nesse caso, as enzimas hepáticas e provas de função hepática associadas relacionam-se positivamente com a gravidade da doença. Quando comparados com os casos não graves, os níveis de aspartato aminotransferase (AST), de alanino aminotransferase (ALT) e de bilirrubinas totais são mais elevados, assim como naqueles internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), quando comparados aos pacientes com tratamento convencional. É importante comentar que são mais comuns níveis elevados do tempo de protrombina em pacientes com Covid-19 que apresentam sintomas digestivos do que naqueles com somente sintomas respiratórios.
Baseando-se nas evidências clínicas e patológicas, conclui-se que o aparelho digestivo pode servir como verdadeira rota infecciosa para a Covid-19. Portanto, para o estabelecimento diagnóstico e monitoração do “clearance” viral dos pacientes infectados, maior atenção deve ser dirigida aos sintomas gastrointestinais, bem como à monitoração das enzimas hepáticas nos indivíduos infectados pelo vírus; também deve ser considerada a análise de SARS-CoV-2 em amostras fecais. Tendo em vista a importância da relação entre o sistema digestivo e a Covid-19, esta deverá ser estudada em maior profundidade nos futuros estudos.
Referência bibliográfica
Ma C, et al. Covid-19 and the digestive system. Am J Gastroenterol 2020;115:1003.
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Impacto do uso de famotidina nos resultados clínicos de pacientes hospitalizados com Covid-19
A famotidina, antagonista dos receptores H2 da histamina, acha-se entre as diversas alternativas que têm sido testadas atualmente em pacientes com Covid-19. O presente estudo, considerando essa importante alternativa terapêutica, comparou, em pacientes hospitalizados, os resultados dos que receberam terapia com ou sem famotidina. Com esse objetivo foi realizada, entre 24 de fevereiro e 13 de maio de 2020, uma observação retrospectiva, observacional, de pacientes consecutivos e positivos para SARS-CoV-2.
Dentre os 878 pacientes pesquisados, 83 (9,5%) receberam famotidina. Em comparação com os não tratados com famotidina, os pacientes foram mais jovens (63,515,0 anos vs 67,515,8 anos, p=0,021), mas não se diferenciaram em relação à demografia ou comorbidades pré-existentes. O uso de famotidina esteve associado à diminuição do risco de mortalidade (razão de probabilidade 0,37, intervalo de confiança 95% 0,16-0,86, p=0,021) e morte combinada e entubação (razão de probabilidade 0,47, intervalo de confiança 95% 0,23-0,96, p=0,040). Além dessas observações, os pacientes que receberam famotidina mostraram níveis inferiores de marcadores sorológicos para doença grave, inclusive níveis médios de proteína C- reativa (9,4 vs 12,7 mg/dl, p=0,002), níveis médios inferiores de procalcitonina (0,16 vs 0,30 ng/ml, p=0,004) e uma tendência não significativa a baixar os níveis médios de ferritina (797,5 vs 964,0 ng/ml, p=0,076). Foi realizada uma análise de regressão que demonstrou que a famotidina foi um preditor independente de ambas: baixa mortalidade e combinação morte/entubação. Por outro lado, idades mais avançadas, índice de massa corporal > 30 mg/m2, doença renal crônica e maior relação neutrófilos-linfócitos foram preditores de resultados adversos.
Os autores concluem que o uso de famotidina em pacientes hospitalizados com Covid-19 está associado a menor risco de mortalidade, menor risco da combinação de entubação/ mortalidade e a níveis mais baixos de marcadores sorológicos para doença grave.
Referência bibliográfica
Mather JF et al. Impact of famotidine use on clinical outcomes of hospitalized patients with COVID-19. Am J Gastroenterol 2020;115:1617.
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Cloroquina e hidroxicloroquina para tratamento de Covid-19: revisão sistemática e meta-análise
Não há comprovação de terapia efetiva para o tratamento de Covid-19 e, nesse sentido, a hidroxicloroquina (HCQ) e a cloroquina (CQ) têm sido utilizadas, mas a eficácia e segurança desses produtos é incerta.
Pesquisadores da comunidade acadêmica de Nova Delhi, Índia, realizaram uma revisão sistemática para analisar os dados disponíveis sobre eficácia e segurança de HCQ e CQ no tratamento da Covid-19.
Foram considerados os artigos relevantes publicados e em pré-publicação entre dezembro de 2019 e junho de 2020. Os dados dos estudos selecionados foram condensados e analisados quanto aos resultados de eficácia e segurança. Avaliação crítica das evidências foi realizada pela ferramenta Cochrane e escala Newcastle Ottawa. A qualidade de evidência foi graduada segundo a escala GRADED.
Foram revisados 12 trabalhos observacionais e três ensaios randomizados com a inclusão total de 10.659 pacientes, dos quais 5.713 receberam CQ/HCQ e 4.966 receberam os cuidados padrão de atendimento.
A eficácia de CQ/HCQ foi considerada inconsistente nos estudos. A meta-análise dos trabalhos incluídos demonstrou redução sem significância estatística na mortalidade com o uso de HCQ (RR 0,98 95% CI 0,66-1,46), no tempo para a resolução da febre (diferença média – 0,54 dias (-1,19-011)) ou na deterioração clínica/ desenvolvimento de reações adversas (0,90 95% CI 0,47-1,71). Risco maior de anormalidades/arritmias foi observado no eletrocardiograma com HCQ/CQ (RR 1,46 95% CI 1,04 a 2,06). Para esses achados, a qualidade das evidências foi considerada muito baixa.
Os autores concluem que as evidências até então disponíveis sugerem que CQ ou HCQ não melhoram achados clínicos de Covid-19. São, entretanto, necessários ensaios clínicos randomizados bem programados para melhor avaliar a segurança e a eficácia de CQ e HCQ para COVID-19.
Referência bibliográfica
Elavarasi A, et al. Chloroquine and hydroxychloroquine for the treatment of Covid-19: a systematic review and meta-analysis. J Gen Intern Med 2020. DOI: 10.1007/s111006-020-06146w.
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Dr. Joaquim Prado P. Moraes-Filho, professor livre docente de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e Diretor de Comunicação – FBG