Covid-19 | Gastroenterologia

Durante as fases iniciais da pandemia por COVID-19, ocorreu uma tendência infundada no uso da hidroxicloroquina (HCQ). Mais recentemente o reputado grupo norte-americano Center for Disease Control and Prevention, CDC, contra-indicou o uso rotineiro de HCQ, citando a ocorrência de possíveis eventos adversos.

Em nosso país, o uso de HCQ em pacientes pré-expostos e no tratamento de COVID-19 tem sido divulgado como benéfico por algumas autoridades e o tema, que vem sendo amplamente discutido por profissionais médicos, microbiologistas e afins, tem merecido a atenção da imprensa leiga gerando, eventualmente, alguma confusão. Com efeito, existem já numerosas publicações científicas considerando as poucas possibilidades terapêuticas da utilização da HCQ nesses pacientes, e nesse sentido, tres trabalhos publicados em revistas médicas importantes merecem destaque, os quais apresentamos a seguir. (1) Emprego de HCQ na pré-exposicão viral, coordenado por grupos da Universidade da Pensilvânia, EUA; (2) revisão sistemática/metanálise sobre eficácia e segurança do produto, coordenado por grupos acadêmicos norte-americanos e da Universidade de Londres; (3) Revisão/metanálise sobre hidroxicloroquina com e sem azitromicina por destacados investigadores acadêmicos da França, Suissa e Inglaterra.

EFICÁCIA E SEGURANÇA DE HIDROXICLOROQUINA versus PLACEBO NA PRÉ-EXPOSIÇÃO DE SARS-CoV-2 ENTRE TRABALHADORES DA ÁREA DE SAÚDE. ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO

Os trabalhadores da área de saúde que estão presentemente se dedicando aos pacientes COVID-19 acham-se sob risco de exposicão à síndrome respiratória aguda grave que pode ocorrer nesses casos. Ao que se sabe, até o momento não existe profilaxia farmacológica efetiva nesses casos.

O objetivo da presente investigação foi avaliar a eficácia da HCQ na prevenção da transmissão de SARS-CoV-2 no pessoal da área de saúde de base hospitalar, empregando uma estratégia profilática de pré-exposição. Para a observação da prevenção e tratamento de COVID-19 com HCQ foi idealizado estudo randomizado, duplo-cego, controlado por por placebo. Conduzido em dois hospitais urbanos terciários entre 9 de abril de 2020 e14 de julho de 2020 com seguimento até 4 de agosto de 2020. Foram estudados 132 funcionários de tempo integral (médicos, enfermeiro(a)s, técnico(a)s da emergência e de terapia respiratória), dos quais 125 estavam assintomáticos inicialmente com resultados negativos ao esfregaço nasofaríngeo para SARS-CoV-2. O estudo foi encerrado precocemente para agilização antes da entrada prevista de 200 pacientes. Foram administrados oralmente: HCQ 600 mg/dia ou placebo idêntico por 8 semanas.

Na avaliação inicial dos 132 participantes (idade média: 33 /20-66 anos; 91 mulheres (69%), 125 deles (94,7%) achavam-se disponíveis para avaliação do desfecho primário. Não foi observada diferença significativa nos índices de infecção dentre os participantes randomizados para receber HCQ comparados aos que receberam placebo (4 de 64/6,3% versus 4 de 61/6,6%; p<0,99).

Os resultados permitiram a conclusão de que no presente ensaio clínico randomizado, embora limitado pelo encerramento precoce, não ocorreu benefício clínico da HCQ administrada diariamente por 8 semanas como profilaxia pre-exposição em pacientes trabalhadores da área de saúde expostos aos pacientes com COVID-19.

Abella BS et al. Efficacy and safety of hydroxichloroquine vs placebo for pre-exposure SARS-CoV-2 prophylaxis among health care workers. A randomized clinical trial. JAMA Int Med doi:10.1001/jamainternmed.2020.6319. On line September 30,2020.


SEGURANÇA E EFICÁCIA DA HIDROXICLOROQUINA NA COVID-19: REVISÃO SISTEMÁTICA E META-ANÁLISE

Foram pesquisados numerosos bancos de dados com o propósito de identificar importantes e bem caracterizadas investigações sobre COVID-19. A denominada “razão de probabilidade” (odds ratio – OD) foi empregada para calcular a segurança e eficácia da HCQ em um modelo aleatório. Foram incluidos na presente revisão vinte estudos compreendendo 3.912 pacientes dos quais 2.512 sob uso de HCQ e 1.400 controles.

A probabilidade de causas mortais foram significantemente maiores em pacientes sob HCQ quando comparados à dos controles (OD:2,23; 95% intervalo de confiança: 1,58 – 3,13; p<0,00001).

As respostas à terapia HQC e em controles foram idênticas em ambos os grupos, com avaliação por repetição da reação de cadeia polimerase negativa (PCR) (OR; 1,83; 95% intervalo de confiança:0,50-6,75; p=0,36), resolução radiológica (OR: 1,98; 95% intervalo de confiança:0,47-8,36; p=0,36) e necessidade de ventilação mecânica assistida (OR: 1,21; 95% intervalo de confiança: 0,34-4,33; p=0,76).

A ocorrência de eventos adversos foram quatro vezes maiores no grupo HCQ (OR: 4,59; 95% intervalo de confiança: 1,73-12,20; p=0,02). Medições para segurança individual foram também numericamente menores no grupo controle, embora nenhum desses valores tenha alcançado nível de significância estatística.

Deve-se considerar que os dados disponíveis nos trabalhos relacionados aos efeitos da HQC quanto à segurança e eficácia são limitados e com eventuais inconsistências. Melhor análise poderá ser possivel uma vez que mais dados dos numerosos estudos que estão presentemente sob investigação se tornem disponíveis. É importante, entretanto, ter em mente que a cura virológica não necessariamente se correlaciona com a melhora de sintomas e resultados referidos pelos pacientes.

Tendo em vista as considerações acima, a presente revisão e meta-análise demonstra que o uso de HCQ não está associado com nenhum benefício e pode, potencialmente, ser perigoso. A meta-análise suporta a recomendação de que HCQ não deve ser utilizada fora de protocolos de estudo.

Ullah W et al. Safety and efficacy of hydroxychloroquine in COVID-19: a systematic review and meta-analysis, J Clin Med Res 2020; 12:483-491.


EFEITO DE HIDROXICLOROQUINA COM E SEM AZITROMICINA SOBRE A MORTALIDADE DE PACIENTES COM COVID-19. REVISÃO SISTEMÁTICA E META-ANÁLISE

Fontes diferenciadas e reconhecidas como Pubmed, Web of Science, Embase Cochrane Library, Google Scholar, MedRxiv foram pesquisadas até julho de 2020. Os autores do presente trabalho incluiram artigos publicados e em publicação, comparando índices de mortalidade entre pacientes tratados com cloroquina ou HCQ com ou sem azitromicina e pacientes tratados com cuidados padrões que não incluem os fármacos acima. Foram considerados apenas investigações com pacientes de idades 18 anos e com diagnóstico COVID-19 confirmado.

A seleção inicial considerou 839 artigos dos quais 29 preenchiam os critérios de inclusão adotados no presente trabalho. Todos os estudos (com uma exceção) foram conduzidos no acompanhamento de pacientes hospitalizados para avaliação dos efeitos da HCQ com ou sem a associação da azitromicina. Após a exclusão dos trabalhos com risco crítico de resultados tendenciosos, a presente meta-análise incluiu 11.932 participantes no grupo HCQ, 8.081 pacientes tratados com HCQ e azitromicina e 12.930 no grupo controle. HCQ não foi significativamente associada à mortalidade: risco relativo agrupado 0.83 (95% intervalo de confiança 0,65-1,06; n=17 estudos) para todos os estudos e para os ensaios randomizados controlados e risco relativo 1,09 (95% intervalo de confiança 0,97-1,24; n=3 estudos). HCQ com azitromicina esteve associada com aumento da mortalidade (risco relativo 1,27; 95% intervalo de confiança 1,04-1,54; n=7 estudos).

Concluem que HCQ isoladamente não esteve associada com redução da mortalidade em pacientes hospitalizados por COVID-19, mas a combinação de HCQ e azitromicina aumentou significativamente a mortalidade.

Fiolet T et al. Effect of hydroxychroloquine with or without azitromycin on the mortality of coronavirus disease 2019 (COVID-19) patients: a systematic review and meta-analysis. Clinical Microbiology and Infection, https://doi.org/10.1016/j.cmi.2020.08.022


Joaquim Prado P Moraes-Filho
Diretor de Comunicação – FBG
Professor Livre Docente – Fac Med U.S.P.