Tendo em vista que até o presente, muito pouco é conhecido sobre o impacto do COVID-19 em pacientes com doença hepática pré-existente, pesquisadores liderados por equipes dos hospitais da Universidade de Oxford (National Health Service) e da Faculdade de Medicina da Universidade North Carolina, estabeleceram um registro internacional para coletar dados clínicos de pacientes com enfermidades hepáticas crônicas e cirrose que desenvolveram COVID-19. Os dados de 21 países foram obtidos graças à colaboração do pessoal de saúde dos centros envolvidos na pesquisa que, além do trabalho diário, colaboraram para a obtenção cuidadosa das informações.
Entre 25 de março de 2020 e 20 de abril de 2020, 152 casos foram registrados, dos quais 95% foram hospitalizados. Pacientes com cirrose apresentaram piores resultados com média de morte de 40%. Aqueles com graus mais avançados da doença, “cirrose descompensada”, foram os que tiveram índices mais elevados de morte, entre 43% e 63%, em comparação com valor de 12% dos pacientes com doença hepática mas sem cirrose.
Mesmo quando foram considerados outros fatores de risco para maus resultados
como idade mais avançada, obesidade e hipertensão arterial, a gravidade da doença básica hepática estava associada ao aumento da mortalidade.
Outros resultados importantes chamam a atenção, como achados de nítida piora da função hepática (encefalopatia, ascite, hemorragias) em pacientes com cirrose e COVID-19. Em 24% dos casos esse achado ocorreu mesmo na ausência de manifestações respiratórias.
Concluem que os achados presentes devem ser considerados preliminares e interpretados com cautela, uma vez que existem limitações como viés de seleção já que os casos mais graves e com pior prognóstico tendem a ser reportados. Desse modo, pacientes com cirrose e COVID-19 com bons resultados clínicos podem eventualmente não terem sido incluidos nos registros do estudo.
Moon AM et al. High mortality rates for SARS-CoV-2 infection in patients with prexisting chronic liver disease and cirrhosis: preliminary results from an international entity. J Hepatol (2020). https:// doi.org//10.106/j.hep2020.05.13.
Manifestações digestivas em pacientes graves com SARS-CoV-2
Com o objetivo de estudar os sintomas gastrintestinais em pacientes infectados com COVID-19 (SARS-CoV-2) com síndrome respiratória aguda grave, analisou-se 95 casos documentados. Foram observados dados epidemiológicos, demográficos, clínicos e laboratoriais. Para detectar a presença de SARS-CoV-2 nas fezes e em tecidos gastrintestinais, foi utilizada a transcriptase reversa em tempo real, PCR.
Dentre os 95 pacientes, 58 exibiram manifestações gastrintestinais, dos quais 11 (11,6%) ocorrem durante admissão e 47 (49,5%) durante o período de internação hospitalar. Diarreia (24,2%), anorexia (17,9%) e náusea (17,9%) foram os principais sintomas, com cinco (5,3%), cinco (5,3%) e três (3,2%) casos, respectivamente, ocorrendo no início da enfermidade. Um número substancial de pacientes desenvolveu diarreia durante a hospitalização, a qual foi potencialmente agravada pelo uso de diversos fármacos, inclusive antibióticos. Amostras fecais de 65 pacientes hospitalizados foram testados para a presença de SARS-CoV-2, inclusive 42 com manifestações digestivas e 23 sem queixas gastrintestinais, dos quais 22 (52,2%) e 9 (39,1%) foram positivos, respectivamente.
Foi realizada a endoscopia digestiva em seis pacientes com sintomas gastrintestinais, tendo revelado hemorragia com erosões e úlceras em um paciente grave. O RNA de SARS-CoV-2 foi detectado em amostras do esôfago, estômago, duodeno e reto de dois pacientes graves. Em contraste, somente o duodeno foi positivo em um dentre quatro pacientes não-graves.
Os autores concluem que o trato gastrintestinal pode ser uma rota de transmissão e órgão alvo do SARS-CoV-2.
Referência: Lin L et al. Gastrointestinal symptoms of 95 cases with SARS CoV-2 infection. GUT 2020;69:997
Joaquim Prado P Moraes-Filho
Professor Livre-Docente FMUSP
Diretor de Comunicação – FBG