DISBIOSE DA MICROBIOTA INTESTINAL CONSTITUI UM PREDITOR DE SUSCEPTIBILIDADE AUMENTADA E PIORES RESULTADOS EM PACIENTES COVID-19? ATUALIZAÇÃO

A microbiota intestinal é um complexo e dinâmico ecossistema que compreende trilhões de microrganismos, bactérias e vírus, com o qual o hospedeiro mantém uma simbiótica benéfica relação. A microbiota é extremamente importante na manutenção da homeostase do hospedeiro, influenciando diversas funções fisiológicas, tais como a produção de energia, manutenção da integridade intestinal, proteção contra organismos patogênicos e regulação da imunidade do hospedeiro.  Esses mecanismos homeostáticos, entretanto, podem se tornar comprometidos como consequência de alterações na composição e funções da microbiota intestinal normal, condição conhecida como disbiose.

Os pacientes COVID-19 apresentam desregulação da resposta imune e níveis elevados de citocinas inflamatórias específicas e quemocinas, sendo que tais alterações são particularmente intensas em pacientes graves, condição algumas vezes referida como “tempestade de citocinas”. Estudos têm reportado que a porcentagem de linfócitos no sangue pode refletir a progressão e gravidade da doença.  A microbiota intestinal desempenha funções importantes no hospedeiro, incluindo regulação e reforço do sistema imune.  Tem sido descrito importante comprometimento dos sistemas imune inato e adaptativo em pacientes COVID-19, acompanhados por alterações da microbiota intestinal.

De fato, os conhecimentos científicos já alcançados sobre como a síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2 (SARS-CoV-2) infecta as células humanas e as manifestações clínicas e consequências para os pacientes COVID-19, especialmente nos casos mais graves, trouxe a microbiota para a discussão.  Tem sido sugerido que a composição da microflora intestinal desempenha papel nessa enfermidade pelo seguinte :

1) é relevante na resposta eficiente do sistema imune;

2) 5-10% dos pacientes apresentam manifestações gastrintestinais;

3) é modulada pela enzima conversora da angiotensina intestinal-2 (ACE2) (que é o receptor viral).

Por outro lado, é sabido que os pacientes mais gravemente afetados (que permanecem mais tempo hospitalizados, que demandam unidades de terapia intensiva e, eventualmente, vão a óbito) constituem os mais idosos com enfermidades cardiovasculares, metabólicas, renais e pulmonares pré-existentes, precisamente o mesmo pessoal onde a prevalência de disbiose na microbiota é elevada.   Os pacientes COVID-19 que apresentam piores resultados são também aqueles nos quais são particularmente evidentes a hiperresponsividade do sistema imune e condição inflamatória grave (“tempestade de citocinas”), e têm sido associados com fenótipo prejudicado da microbiota.

Ferreira C et al. Is gut microbiota dysbiosis a predictor of increased susceptibility to poor oucome of COVID-19 patients ? An update.      Microrganisms  2021, 9, 53. https://dx,doi.org/10.3390/microorganisms9010053.

FREQUENTE E PERSISTENTE ECTASIA DA GLÂNDULA SALIVAR E ENFERMIDADE ORAL APÓS COVID-19

Tem sido extensivamente estudado e descrito o quadro clínico da doença por coronavírus 2019 (COVID-19),  mas são relativamente pouco conhecidas as características do envolvimento da cavidade oral.  Este fato é imprevisto, quando se considera que a mucosa oral e as glândulas salivares são reconhecidamente alvos para a replicação direta da síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2 (SARS-CoV-2) e que a presença do vírus na saliva constitui uma fonte de transmissão da infecção.

O objetivo do presente estudo foi investigar a presença e prevalência de manifestações orais em pacientes que experimentaram e sobreviveram ao COVID-19. Foi traçado o perfil oral de envolvimento em 122 pacientes COVID-19 que estiveram hospitalizados e seguidos no Hospital Universitário San Raffaele em Milão, Itália, entre 23 de julho de 2020 e 7 de setembro de 2020 após um tempo médio de alta hospitalar de 104 (95 a 132) dias.

Os achados demonstraram que manifestações orais, especificamente ectasia da glândula salivar foi inesperadamente comum, com manifestações orais detectadas em 83,9% enquanto a ectasia da glândula salivar estava presente em 43% dos pacientes que estiveram infectados COVID-19 e tiveram alta hospitalar.   A ectasia da glândula salivar refletiu a resposta hiper inflamatória ao SARS-CoV-2, como demonstrado pela significativa relação com os níveis de proteína-C reativa e desidrogenase láctica na admissão hospitalar e com o uso de antibióticos na fase aguda da doença.  

Os níveis de desidrogenase láctica e a administração de antibióticos mantiveram-se como preditores independentes da ectasia da glândula salivar em análise multivariável.   Anormalidades têmporo-mandibulares, dor facial e fraqueza da musculatura mastigatória foram também achados comuns.

De modo geral o presente estudo coorte prospectivo e retrospectivo de sobreviventes de COVID-19 revelou que na grande maioria dos pacientes o dano residual da cavidade oral persiste depois da recuperação clínica, e sugere que a cavidade oral representa um alvo preferencial para a infecção SARS-CoV-2.   Futuros estudos adicionais são necessários para o maior esclarecimento entre a infecção SARS-CoV-2 e enfermidades orais.

Gherlone EF et al. Frequent and persistent salivary gland ectasia and oral disease after COVID-19. J Dental Research 2021:1-8. sagepub.com/journals-permissions 
DOI: 10.1177/0022034521997112.

Joaquim Prado P Moraes-Filho

Professor Livre Docente – Fac Med USP

Diretor de Comunicação – FBG