Doença celíaca: o que, quais os sintomas e como tratar

O glúten é uma proteína presente no trigo, centeio, cevada (malte) e aveia. é de digestão difícil e pode deflagrar uma série de sintomas gastrointestinais ou sistêmicos: as doenças glúten-relacionadas (DGR). Estas podem ser classificadas em alergia ao trigo, doença celíaca (autoimune) e sensibilidade ao glúten não-celíaca (nem alérgica e nem autoimune). 

A doença celíaca (DC) é uma afecção crônica sistêmica imune mediada deflagrada e mantida pela exposição ao glúten da dieta que provoca lesão no intestino delgado. Tem forte influência genética especialmente relacionada à presença de marcadores do sistema HLA (DQ2 e/ou DQ8). 

Calcula-se que cerca de 1% da população mundial apresente nesta entidade. Afeta indivíduos em qualquer idade, é mais prevalente em mulheres do que em homens, sendo descrita atualmente em todas as etnias.

O diagnóstico se baseia no quadro clínico, detecção de autoanticorpos e alterações da mucosa intestinal.

O modo de apresentação varia com a idade: forma típica (prevalecendo os sintomas gastrointestinais – GI) ou atípica (sintomas de outros aparelhos e sistemas) que atualmente é muito mais prevalente. Familiares de celíacos devem ser testados com ou sem sintomatologia evidente.

Quais os sintomas?

Crianças até 2 anos: pouco apetite, dor abdominal, diarreia, vômitos, constipação, cansaço e irritabilidade, distensão abdominal, atraso no desenvolvimento e crescimento;

Dos 3 aos 18 anos: os mesmos já assinalados acrescidos de defeito no esmalte dentário, atraso da puberdade, mudanças de humor e anemia;

Adultos/idosos: problemas GI, perda de peso, cansaço, anemia, distúrbios menstruais, infertilidade, sintomas neurológicos como enxaqueca, alterações de humor, ansiedade e depressão.

A DC também pode ser silenciosa, latente ou assintomática geralmente nos familiares de celíacos que devem ser testados. 

Testes sorológicos devem ser feitos com o paciente ingerindo glúten e com a concomitante determinação dos níveis de imunoglobulina A, pois tais anticorpos pertencem à classe IgA e são altamente sensíveis. Os anticorpos antiendomísio têm a mais alta acurácia diagnóstica, mas sendo operador dependente nem sempre pode ser realizado em todos os centros.  Os anticorpos anti-transglutaminase tecidual IgA são detectados por ELISA sendo disponíveis em praticamente todos os laboratórios, com altas sensibilidade e especificidade. Resultados falso-positivos são raros (doenças do fígado, doenças inflamatórias intestinais, artrites); resultados falso-negativos devem ser revistos na forte suspeita clínica de DC (seria a DC soro-negativa).

A endoscopia digestiva alta, disponível em muitos centros, tem papel relevante para o diagnóstico da DC, pois a mucosa do bulbo e do duodeno

pode apresentar sinais sugestivos de comprometimento de maior ou menor intensidade. Vários fragmentos devem ser obtidos do bulbo e da segunda/porção do arco duodenal para estudo histológico, mesmo com aspecto “normal” se houver suspeita de DC.

O diagnóstico histopatológico é considerado como essencial para firmar o diagnóstico de DC. Várias classificações são usadas para se enquadrar os espécimes obtidos, sendo as mais utilizadas a de Marsh (Tipo zero normal; Tipos I, II, III ou IV de acordo com os achados) e a de Marsh-Oberhuber (Tipo zero normal; Tipos I, II; III-a, III-b e III-c; e tipo IV). Ambas dão importância à contagem dos linfócitos intraepiteliais. Os laudos dos patologistas devem citar os graus de comprometimento para diagnóstico e também para monitoramento futuro. 

Exames laboratoriais habituais são solicitados para determinação de carências e para guiar as reposições. 

Doenças associadas podem ser detectadas antes, durante o diagnóstico de DC ou mesmo após tratamento. As mais observadas são diabetes mellitus tipo 1, hipotireoidismo, deficiência de IgA e outras doenças autoimunes de diversos sistemas (vitiligo, psoríase, doenças reumatológicas, etc). A dermatite herpetiforme é considerada a DC da pele. Algumas outras intolerâncias alimentares também podem coexistir (intolerância à lactose). É importante ressaltar que as doenças acima citadas podem ser referidas pelos familiares de celíacos.

 O tratamento da DC consiste na DIETA SEM GLÚTEN (DSG) para toda a vida. As farinhas mencionadas serão substituídas por outras sem glúten tóxico, sendo carnes, legumes/verduras e frutas permitidos. Recomenda-se encaminhamento a nutricionista expert em DC para elaborar dieta sem glúten e com as necessidades específicos de cada paciente e em cada fase de recuperação. Até o momento não existem medicamentos para combater as alterações geradas pelo glúten. Várias pesquisas e tentativas estão em progresso, mas ainda não há nada de concreto para a prática diária. 

Deve-se tomar muito cuidado com a contaminação dos alimentos com glúten (contaminação cruzada). Ao diagnóstico de DC são fornecidas instruções para evita-la tanto em domicílio como nos locais frequentados pelos pacientes, inclusive em restaurantes. Ressalta-se aqui a importância do esclarecimento aos familiares. Recomenda-se que os pacientes se filiem às associações que representam os celíacos: ACELBRA, FENACELBRA ou às estaduais.

O prognóstico é bom desde que seja seguida a DSG. Raramente há evolução para DC refratária ao tratamento e para desenvolvimento de linfomas ou outros tumores. A mortalidade em DC é considerada semelhante à da população geral.

CONCLUSÕES

Considerando a DC como verdadeiro camaleão, seu diagnóstico depende muito da perspicácia do profissional atendente ao valorizar as queixas dos pacientes, seja na atenção primária à saúde ou consulta com especialista de várias áreas. Um atendimento multiprofissional com gastroenterologista, nutricionista e psicólogo é bastante recomendado.

REFERÊNCIAS

Site da ACELBRA ou da FENACELBRA

Al-Toma A, Volta U, Auricchio R, Castillejo G, Sanders DS, Cellier C, et. al. European Society for the Study of Coeliac Disease (ESsCD) guideline for coeliac disease and other gluten-related disorders. United European Gastroenterol J. 2019;7(5):583-613. https://doi.org/10.1177/2050640619844125

LORETE MARIA DA SILVA KOTZE

Curitiba – Paraná

Professora Doutora em Gastroenterologia, aposentada pela UFPR

Fellow do American College of Gastroenterology

Membro Titular da Academia Paranaense de Medicina, da FBG e do GEDIIB