À medida que o discurso médico entra na lógica das redes, tensiona-se o equilíbrio entre compromisso ético e busca por visibilidade.
Por Gerson Ricardo Domingues, diretor de comunicação da Conectando Pessoas
A crescente atuação de médicos como influenciadores digitais nas redes sociais representa uma mudança profunda na forma como a sociedade brasileira consome informações sobre saúde. Segundo dados do DataReportal 2024, mais de 80% da população recorre a plataformas como Instagram, YouTube e TikTok para esse fim, o que revela tanto um potencial educativo significativo quanto um terreno fértil para distorções.
Nesse ambiente, os médicos surgem como vozes de autoridade capazes de traduzir conteúdos técnicos, combater fake news e incentivar práticas baseadas em evidência. Contudo, à medida que o discurso médico entra na lógica das redes, tensiona-se o equilíbrio entre compromisso ético e busca por visibilidade.
O impacto desse novo protagonismo vai além da linguagem acessível. Quando o conteúdo médico se molda ao algoritmo, há uma tendência à simplificação excessiva, à personalização do saber científico e, por vezes, à espetacularização da saúde. Publicações que prometem soluções rápidas, expõem casos clínicos como se fossem roteiros de entretenimento ou utilizam a medicina como recurso estético minando a complexidade dos cuidados e fragilizam a confiança pública. A informação perde seu caráter formativo e passa a ser um produto de consumo, muitas vezes descolado da realidade da maioria da população, que já enfrenta obstáculos para acessar cuidados básicos.
Não se trata de negar a legitimidade da presença médica nas redes sociais. Pelo contrário, em um país marcado por desigualdades e desinformação, é fundamental que vozes qualificadas ocupem esse espaço. O desafio está em manter o compromisso com o rigor técnico, a empatia e o limite ético, mesmo quando a lógica da influência digital pressiona por engajamento e relevância instantânea. As diretrizes do Conselho Federal de Medicina (CFM), embora frequentemente atualizadas, ainda são ignoradas por parte dos profissionais, o que gera ruídos na imagem da classe e confusão no público leigo.
- As principais notícias de Maringá na quinta-feira (25/7) no Briefing do Post
- Ana Domingues, 55 anos, coordenadora da ONG Funverde, faleceu nesta quarta-feira (24/7) em Maringá
- Corinthians reage no fim e empata com Flamengo em jogo movimentado
- Lions Clube Cidade Canção tem novo presidente
- Após óbito por dengue, Maringá abre novos leitos no Hospital Municipal para atendimento de pacientes com a doença
Há, portanto, um dilema central: é possível educar e engajar ao mesmo tempo? A resposta passa por uma escolha de posicionamento. Médicos que desejam comunicar para além dos consultórios precisam reconhecer que sua audiência não é apenas um número, mas um conjunto de pessoas que busca orientação confiável, especialmente em tempos de crise sanitária e proliferação de fake news. Isso exige mais do que boa oratória ou edição caprichada, exige responsabilidade com a saúde coletiva.
Repensar a atuação médica nas redes é urgente. O conteúdo produzido precisa estar alinhado com a função social da medicina: cuidar, orientar, acolher. Isso significa adotar uma linguagem acessível, sem abrir mão da precisão; respeitar a privacidade dos pacientes; e compreender que a credibilidade não se constrói com curtidas, mas com coerência, ética e compromisso. A influência digital pode ser uma aliada poderosa, desde que sirva à sociedade e não apenas à construção de uma imagem pessoal.
Portal: Maringa Post